quarta-feira, janeiro 18, 2006

DIA 23

DIA 23

Passe ou não à segunda volta da eleição presidencial, a mais do que provável maior votação de Manuel Alegre face a Mário Soares abrirá uma tremenda brecha na sociedade política de esquerda, com prognóstico muito reservado.
Uma coisa, a única talvez, é certa: nada voltará a ser como dantes. Pelo menos enquanto durarem os autores.
Porém, o movimento cívico desenvolvido em torno de Alegre (a candidatura com mais candidatos, como tive a felicidade de ouvir há dias, durante uma conferência na Reitoria da Universidade do Porto) terá que resistir à tremenda tentação, necessariamente revanchista, de criar um partido que responda ao PS na mesma moeda.
Não foi esse o espírito de arranque, nunca o tem sido ao longo da campanha, e não passaria de um “dejá-vue”, com contornos subversivos. Porque sempre que o político tenta ser mais do que a política, o resultado é inevitavelmente mau para o próprio; e um partido à imagem de um líder está condenado ao fracasso. Olhe-se, no tempo, e veja-se o que sucedeu ao PRD. Ou, citando exemplo mais moderno, veja-se o que está a suceder ao Bloco de Esquerda.
Alegre e seus “seguidores” (onde, para que não subsistam dúvidas, claramente me incluo) devem ter a paciência de saber ler tudo aquilo que representou o voluntarismo puro de centenas de apoiantes que fizéram a sua candidatura, os donativos completamente desinteressados que ajudaram a pagá-la, a participação activa em centenas de iniciativas espalhadas pelo país pelo simples prazer de ir, ouvir, reflectir, opinar, longe dos microfones, câmaras e do interesseirismo tão característico na política partidária.
Alegre, e os seus apoiantes, devem saber sair por cima no momento de contar os votos, mostrando que a boa cidadania é, antes de tudo, feita de coerência.
Devem saber fazer perdurar a serena agitação que criaram, o ressuscitar dos valores que, em estado letárgico, ameaçavam ruir.
E devem saber gerir a lição que deram ao mundo partidário, de que é (ainda é) possível fazer política longe dos partidos.

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