sexta-feira, junho 30, 2006

FAUNA

Inicialmente inventamos os parolos
Caracterizavam-se (estão em vias de extinção, daí o pretérito) pela meia branca (vulgo pésinho de gesso), a camisa aberta até ao umbigo e a voltinha de ouro (a esvorta) com a santa a reluzir, a pulseirinha (de ouro ou simples fancaria) e o “aneluncho” a condizer.
Usavam muito o “prontos”, o “tás a ver”, o “deri”b”ado a”.
Fatinho domingueiro, era vê-los na suecada ou na malha, à volta de um garrafão de “tintól” ou a passear com a patroa no único dia em que esta se atrevia a tirar o avental do frontispício. Ou de carro, sempre a 20 km/h numa estrada movimentada, com o Cortina a reluzir e a almofadinha de renda, colocada na chapeleira traseira, normalmente a camuflar o papel higiénico do piquenique de domingo à beira da estrada nacional 1.
Eram trabalhadores, inofensivos (salvo aos olhos) e os que vivem vão já na casa dos 60/70. São pais dos “Tones” e das “Zezas”.

Vieram depois os Azeiteiros: os “Tones” e as “Zezas”
Mais sofisticados na arte do “ajavardamento”, instalaram-se nas periferias das grandes cidades ou em bairros sociais.
Vivem para o status.
Inicialmente quitavam a Zundap onde se deslocavam (uns “tó-colantes” a dizer turbo, uma “zagolina” especial “pra dar mais gás” e uns escapes de rendimento, normalmente mais valiosos que o próprio veículo) ou, os mais abonados, os Datsun 1200. Mais tarde vieram Honda Civic (“zantes espaciais”, uns néons lilases ou azuis, colocados debaixo do veículo, os “hailerons” e, claro, o “bolante” de pau).
Imitam tudo o que é caro da forma mais ordinária que se pode imaginar (óculos, t-shirts, calças, blusões) tudo neles cheira a falso. Tão falso que nem pretensioso chega a ser. Somente azeiteiros (daí o nome).
São hoje pais das Vanessas, das Carinas, das Marlenes, dos Fábios e de tudo o que é nome de novela brasileira.
Estão nos 40/50 e grande parte sobrevive nas fábricas, na construção ou no subsídio de desemprego (mais neste). São pais dos Ronaldos e das Fabianas.

Chego agora à terceira geração da raça. Os Ronaldos e as Fabianas.
Tenho dificuldades em apelidá-la (aceito mesmo nomes alternativos).
Pensei em jagunços, aborígenes (mas ao contrário), selvagens, mas não me contentei com nenhum.
Eles são uma miscelânea de tudo e não são nada.
Usam bonés (virados ao contrário, no cocuruto da cabeça ou até colocados de “ladex” no crânio), calças esfarrapadas à navalhada, cortes de cabelo à Quaresma, brincos à Ronaldo, óculos espaço 1999, têm a “cremalheira” numa lástima e deambulam no saque até lhes atirarem a orgadura para uma cela.
Têm namoradas fio dental, tipo Rute Marlene, cheias de piercings e outros adereços.
Não estudam. Chutam-se. Engravidam-nas aos 13 (ou mais cedo, se a natureza permitir). Pertencem às claques de futebol. Vivem no lixo. São lixo (urbano, sempre).
São do género “fino”, opinião sobre tudo, cheios de “direitos”. Consomem Hip Hop com a mesma vontade com que se embrulham no Tóni Carreira. Deglutem carne assada com o mesmo gosto que “afocinham” num Big Mac. Adoram centros comerciais “pró gamanço e engate”. Uma paredinha de cimento liso e “bute pró grafite”.
Não chegam à Segurança Social porque nem sequer chegam a ter emprego.
Vão morrer na merda e arrastar-nos com eles para ela. Alguém me ajuda a encontrar um nome para esta fauna?

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho que este é um dos melhores posts deste blog. Escrito com o humor real dos olhos críticos que te caracterizam... Pensei num nome para essa fauna que descreves, não existe... é a fracção inominável de uma sociedade cada vez mais plastificada e desenraizada. Sem princípios, sem respeito, sem auto-estima, mas orgulhosa de toda a merda que faz...