quinta-feira, abril 21, 2005

O JOGO

A informação sôfrega que se tem apoderado do “Processo Casa Pia” tem aberto feridas de que, durante muitos anos, a sociedade portuguesa, em geral, e a judicial, em particular, não se conseguirão curar.
Hoje, a catadupa informativa revela um lado muito pouco abonatório da justiça. Somos levados a vê-la como um jogo, onde se discute o requerimento da defesa, o sarcasmo da acusação, a intransigência da magistrada, o almoço do arguido. Onde se põem a nú as adjectividades do processo, que deveriam estar reservados a isso mesmo (ao processo) mas em que já ninguém se importa com o substantivo, com o que ali verdadeiramente se discute: a existência de crianças violentadas, ao longo de décadas, ante o beneplácito de funcionários da instituição e, o que é mais grave, da tutela política que, conhecedora dos factos (pelo menos de muitos) calou-os.
As crianças, o seu sofrimento, o resultado em que muitas delas redundarão estão ou esquecidas ou entregues à defesa fanfarrona que procura apenas o “estrelato dos telejornais”.
A justiça esmorece, descredibiliza-se com esta exposição excessiva.
Hoje, quando à hora certa bate e escutamos os noticiários, pegamos no contador, como de um jogo de basebol se tratasse, e vemos quem marcou mais pontos: a defesa ou a acusação.
Pensamos nas figuras mediáticas que ali estão envolvidas e, de acordo com a ideia que delas formamos ao longo de anos por todas as razões menos por aquelas que os levam ali, já fizémos as nossas condenações e absolvições.
Nunca pensamos nas caras, nos corpos e nas almas dilaceradas pelos crimes hediondos que as vitimaram.
Resta-nos esperar que o bom senso e recato que, finalmente, o poder judicial tem demonstrado no julgamento (e que não existiu na instrução do processo) redunde numa decisão justa.
Porque reparadora ela jamais o será.

1 comentário:

Anónimo disse...

Só uma nota. Sabem como se chama a rua onde fica situada a casa pia? Rua Ilha da Madeira... que grande coincidência!!!!